terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Legado de Eusébio depende das atuais gerações, vamos ter cuidado com ele

Foto: rr.sapo.pt
O legado de Eusébio está nas mãos das atuais gerações. A forma como a Pantera Negra vai ser vista no futuro depende do modo como as pessoas que hoje têm mais de 40 anos vão passar a mensagem aos seus filhos e netos. E hoje, dois dias após a sua morte, começam a surgir sinais preocupantes.
Muito mais do que uma das maiores estrelas da história do futebol, eleito pela FIFA como um dos 10 melhores jogadores de sempre, Eusébio foi ímpar na forma como defendeu as suas camisolas - e se sacrificou por elas - e, principalmente, pelo 'fair-play'.
Pela forma espontânea como confortava os guarda-redes contrários quando os batia, ou como os aplaudia quando lhe negavam um golo cantado, pela forma como (não) reagia aos verdadeiros massacres que sofria por parte dos defesas, pela forma como enfrentava a adversidade em campo, pela forma como limpava as lágrimas com a camisola quando perdia...
Este é o legado de Eusébio que quero passar ao meu filho, um candidato a projeto de jogador que descobriu a Pantera Negra nos últimos dois dias, aos 14 anos.
Vi o seu espanto com o segundo golo de Eusébio ao Brasil no Mundial'66 e com a arrancada frente à Coreia do Norte, com um toque na bola a cada passada dada como se não houvesse amanhã, até sofrer três penáltis na mesma jogada. E, como ele notou, com botas do século passado e bolas que eram pedras. Mas gostei mais de o ver sorrir com os aplausos de Eusébio a Vítor Damas.
A homenagem nacional de que foi alvo é própria de um homem que não tinha inimigos e era transversal à sociedade portuguesa. O manto de camisolas e cachecóis que passou a cobrir a sua estátua junto ao estádio da Luz também - o vermelho predomina, mas salpicado de azul, verde e várias outras cores.
Ontem vi o presidente do Benfica pensar bem e anunciar que, entre outras coisas, aquele memorial ia ser preservado tal e qual estava, com uma cobertura em vidro ou acrílico, porque representava uma manifestação espontânea do povo português.
Mas hoje já correm nas redes sociais imagens de um segurança a retirar do manto as referências não vermelhas, ou seja, aparentemente a desvirtuar a promessa feita na noite anterior em direto pela televisão.
Espera-se que tudo não passe de um mal-entendido ou que seja verdadeira a versão segundo a qual o Benfica mandou recolher temporariamente os adereços de FC Porto e Sporting porque dois elementos da claque No Name Boys estariam a retirá-los da estátua.
Espera-se também que os adereços sejam recolocados no local. A memória de Eusébio não merece ser traída e aquele espaço de homenagem popular é muito mais significativo para o seu legado do que uma eventual trasladação do seu corpo para o Panteão Nacional, decisão que começou a ser discutida de forma inquinada por argumentos idiotas.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Eusébio, uma estrela planetária não morre

Eusébio, “King” ou “Pantera Negra”, nasceu em Moçambique
Foto: dn.pt
As homenagens que o Mundo faz hoje a Eusébio são a prova do estatuto de estrela planetária que o ‘King’ atingiu, apesar de ter jogado na pré-história do mediatismo. Calculo que o cenário devia parecer improvável para quem nasceu há menos de 35 anos e, portanto, nunca o viu jogar.
Eusébio da Silva Ferreira arrumou as botas há 34 anos, mas hoje, no dia em que o seu corpo parou, o Mundo mostrou que o antigo avançado era uma estrela planetária – e essas não morrem, continuam a viver na memória dos que as admiram.
Há duas homenagens particularmente marcantes, ambas provenientes do Reino Unido, um país que o passou a idolatrar a partir do seu assombroso Mundial de 1966.
Arrepiou ver 70.000 pessoas de pé a aplaudirem comovidamente Eusébio, com destaque para o seu antigo adversário Sir Bobby Charlton ou o muito mais novo treinador do Manchester United, David Moyes.
Tal como é impressionante ver o The Guardian considerá-lo o melhor jogador africano da história do futebol, o que o coloca à frente de nomes como, entre muitos outros, Roger Milla, George Weah, Abedi Pelé, Didier Drogba, Yayá Touré ou Samuel Eto’o.
“Foi o protótipo do avançado completo do século XXI, décadas à frente do seu tempo; um atleta soberbo (corria os 100 metros em 11 segundos com 16 anos) com uma aceleração explosiva que podia arrastar os defesas na sua esteira. Também sabia fintar, era bom no ar e possuía um temível e muito certeiro pé direito”, recorda o jornal britânico.
O que seria Eusébio no futebol atual, com os métodos de treino e os equipamentos desenvolvidos nas últimas três décadas? Eu continuo a achá-lo muito parecido com Cristiano Ronaldo. A descrição do The Guardian parece ir no sentido da mesma opinião…
E até onde teria chegado se, aos 22 anos, o tivessem deixado ir para a Juventus? Ou se não tivesse sido operado sete vezes aos joelhos, seis delas ao esquerdo, numa altura em que ainda não se faziam artroscopias? Ninguém pode dizer.
Bola de Ouro em 1965 e Bota de Ouro em 1968 e 1973, representou o Benfica durante 15 épocas, depois de chegar a Lisboa em 1960, com 18 anos, proveniente do então Sporting de Lourenço Marques. Em Portugal também alinhou pelo Beira-Mar (1976/77) e União de Tomar (1977/78) e ainda jogou nos EUA, Canadá e México, terminando a carreira nos norte-americanos Buffalo Stallions, em 1980.
Para minha infelicidade, já só o vi jogar ao vivo pelo Beira-Mar e União de Tomar, no ocaso da carreira – dos seus grandes momentos vi horas e horas em vídeo.
Para minha felicidade, tive o privilégio de falar com ele três ou quatro vezes, a primeira das quais faz este mês 22 anos, numa longa entrevista para a LUSA a propósito do seu 50.º aniversário, da qual hoje revejo, com enorme orgulho, vários excertos reproduzidos em seleções de frases de Eusébio da Silva Ferreira.